Direção: Lynne Ramsay
Elenco: Tilda Swinton, John C. Reilly, Ezra Miller
A
escolha do título desse filme é muito interessante, porque após assisti-lo, nós
PRECISAMOS FALAR SOBRE O KEVIN. Fornece tanto material para reflexões intensas
sobre a motivação do ser humano a fazer o bem ou o mal, que se não despertar
essas indagações, é porque o filme não foi bem aproveitado por quem o assistiu.
Se é sempre recomendável ver um filme com olhos analíticos, tentando sempre
tirar um bom proveito das informações transmitidas, o bom andamento de We Need to Talk About Kevin depende do
levantamento das inúmeras perguntas que aparecerão: uma mãe pode ser ruim e
fazer mal a um filho sem intenção, prejudicando sua saúde mental? Uma pessoa
pode ser má por natureza, sem influência externa alguma? Duas pessoas podem se
odiar instantaneamente e traçar o futuro do seu relacionamento (e de suas
vidas) a partir disso? São só algumas das coisas que te fazem refletir e,
conseqüentemente, temer tudo que esse filme diz respeito. Um dos melhores
filmes do ano? Um dos melhores filmes que eu já vi? O único filme que não
pertence ao gênero terror, mas que me deixou aflito e angustiado como tal? Sim.
Com certeza.
A
cronologia é desmontada. Pegamos pedaços de diferentes períodos da vida de Eva
(Tilda Swinton, de Io sono l’amore),
uma mulher com um casamento feliz e vida estável, até a chegada do primeiro
filho, Kevin. Há uma cena, logo após o parto, em que o marido brinca com o bebê
no colo, enquanto Eva olha sem expressão para o nada. Isso ilustra muito bem
tudo o que vem a seguir na vida desses dois personagens e no relacionamento
pesado e perturbador de mãe e filho que os dois virão a ter, culminando
finalmente no ponto-chave da história: um massacre na escola pelas mãos de
Kevin, mostrando ao mesmo tempo a infância do garoto, as provocações e brigas
com a mãe, até um período após o massacre, onde Eva tenta retomar sua vida
marcada eternamente como a mãe de um assassino em massa.
A
começar pelos dois protagonistas, Swinton e Ezra Miller, que interpreta Kevin.
Duas performances tão boas (boas no sentido extremo da palavra, incríveis,
perfeitas, como fazia tempo que eu não via), e que se completam, se encaixam em
todos os sentidos em antítese; a preocupação e a descontração, a provocação e o
apaziguamento, a busca por uma relação feliz e a tentativa de destruí-la. Ao término
do filme, o rosto de Kevin voltava com tanta clareza, que eu posso afirmar que
tenho medo do personagem. O sofrimento de Eva desperta tanta empatia, que você
se desespera com ela. (Note que é tão profundo, que uma das cenas mais
perturbadoras é, inclusive, sem o Kevin, durante um “ataque” de crianças na
noite do Halloween). Tilda Swinton sempre morou no meu coração; sabe escolher
bem qualquer papel e entrar nele como ninguém. Agora, ela divide um espaço
também com Ezra Matthew Miller.
Um
medo concreto, real, é o de estar na presença de uma pessoa que simplesmente
surta. Você não sabe o que se passa na cabeça dela, não sabe o que desencadeou
isso e, principalmente, não sabe o que ela pode fazer com você. Dá medo, porque
acontece. E não importa se você tem a ver com o assunto ou não, estar lá àquela
hora já basta para sofrer qualquer conseqüência que aquilo possa trazer. Um
garoto que tinha tudo para ser feliz, com pais que o amam (hm, será?), uma vida
boa sem dificuldade alguma... E o que se passava com ele? O que poderia ser tão
imensamente perturbador a ponto de implantar desejos assassinos dentro dele?
Será que ao menos tinha um objetivo, ou foi apenas um menino entediado sem
conhecimento das conseqüências de seus atos? Um estudioso da mente humana deve
ter as respostas. Eu, no entanto, não as tenho, e confesso adorar isso. Permite
que eu revisite esse filme quantas vezes eu quiser, que tire conclusões
distintas a cada vez que eu lembrar dele ou revê-lo. É justamente aí onde mora
a grande beleza do filme.
A
direção e a montagem andam de mãos dadas em We
Need to Talk About Kevin. Assim como os protagonistas, se completam com a
finalidade de transportar quem está assistindo à luta da mãe, ao universo
doentio de Kevin, ao terror das vítimas do massacre...
Antes do bebê nascer, as coisas eram confusas, porém alegres e descontraídas;
desfocadas, cambaleantes, Eva ainda sabia sorrir. Após o nascimento, tudo caiu
aos pedaços: os cortes frenéticos, os giros bruscos, a trilha sonora sarcástica
tão merry-go-round que chega a
irritar. Por fim, Eva tentando retomar sua vida após ver pela primeira vez,
materializado em sua frente, quem o seu filho realmente era: planos parados e
entediantes, sua vida estagnou, ela pretende recomeçar, mas ela já não é mais
nada para o resto do mundo.
A
beleza no caos. Uma coisa perturbadora, mas tão intensa que fica linda. Um
mergulho nas dimensões do ser humano, de suas personalidades colocadas à prova
em situações de aperto, de suas tentativas de adaptação, das mudanças reativas
que qualquer um sofre. Um verdadeiro estudo psicológico sobre um cenário
doentio causado por alguém que pode ou não ser igualmente doentio. Só realmente
vendo o filme para entender. Coisa de gênio. Eu mesmo, escrevendo esse texto,
captei mais algumas novas facetas que passaram despercebidas. E um filme quando
é bom nas entranhas sabe surtir esse efeito.
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