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quarta-feira, 18 de abril de 2012

O Baú: Little Miss Sunshine

Filme: Pequena Miss Sunshine (Little Miss Sunshine), 2006
Direção: Jonathan Dayton e Valerie Faris
Elenco: Greg Kinear, Toni Collette, Steve Carell, Paul Dano, Abigail Breslin, Alan Arkin





Um dos maiores rótulos da cultura americana é o termo “loser”, “perdedor”. É designado a todos aqueles que não se encaixam no padrão da sociedade estabelecido pelos próprios americanos e mídia, os desajustados que agem da maneira que bem entendem. Esse processo de ser rotulado de loser é uma grande manifestação de subculturas nos Estados Unidos, que começa desde a infância nas escolas, com o problema do bullying, passa pela adolescência com a exclusão social e atinge a fase adulta com a rejeição e a falta de conquistas. É talvez o tema mais recorrente em filmes e séries por ser o problema mais recorrente do país; o deslocamento quando se é diferente do bando. Sendo assim, Little Miss Sunshine pega todas as possibilidades que fazem de uma pessoa um loser e as aplica em um único grupo numa jornada de auto-descobrimento.

A família Hoover entra numa Kombi amarela e parte com destino à Califórnia, onde a filha mais nova Olive (Abigail Breslin, de Zombieland, indicada ao Oscar pelo papel) vai participar de um concurso de beleza mirim. O pai, Richard (Greg Kinnear, de As Good as It Gets), é obcecado pela vitória, mesmo que ele próprio nunca a alcance. A mãe, Sheryl (Toni Collette, da série United States of Tara), é carinhosa, zeladora e preocupada, não só com os filhos, mas também com o irmão Frank (Steve Carell, da série The Office), um ex-acadêmico depressivo e suicida. O filho mais velho Dwayne (Paul Dano, de There Will Be Blood), é politizado, reservado e revoltado com o mundo, enquanto o avô Edwin (Alan Arkin, de Get Smart) enfrenta uma crise da terceira idade usando drogas e expondo qualquer coisa que lhe venha em mente. A viagem acaba tendo um propósito muito maior, quando a família atravessa ao mesmo tempo uma jornada de renovações, descobertas, conciliações e destinos novos.

O filme se foca no princípio de que o nível de “loser” que uma pessoa é se projeta ao seu redor. Cada indivíduo da família Hoover enfrenta um problema de aceitação e/ou de crise de identidade, onde tudo está falhando por serem o que são. E se não bastasse a retenção dos conflitos, estão indo em direção a um concurso onde tudo aparentemente é perfeito ao olhar – mesmo que esses concursos infantis de beleza sejam doentios. Os últimos momentos do filme, focados na competição, onde Olive é claramente uma completa desajustada naquele meio, servem também como uma crítica ao estilo de vida dos pais e crianças que se submetem à competição nada sadia que são esses concursos. O nível de competitividade que crianças que deveriam estar levando vidas normais adquirem, e a obsessão das mães, geralmente frustradas, que implantam na cabeça das filhas o quanto elas precisam ganhar aquilo e o quanto são melhores que as outras crianças faz uma alusão interessante ao estilo de vida que a própria família tem. Olive obviamente não pertence àquele mundo, pois não é linda, não é plastificada, não teve sua personalidade anulada e já consegue pensar por si mesma. Mas Richard, o pai frustrado, crava na cabeça da menina o quanto ser um loser é a pior coisa que pode acontecer na vida de alguém, e o quanto ela vai se dar mal na vida se não começar a ganhar as coisas. Por sua vez, Richard está afundando cada vez mais numa fase de decepções e rejeições profissionais, e exige que a família inteira tenha sucesso em suas empreitadas para se realizar através delas. Isso é mostrado em cenas onde Richard mostra desprezo em relação a Frank, por ter “desistido” da vida ao tentar se matar. Portanto, no universo obsessivo e plástico que é um concurso de beleza, a família Hoover, nada bonita e cheia de imperfeições, tem de entender uns aos outros e aceitar as próprias peculiaridades.

Little Miss Sunshine é um filme que funciona do começo ao fim. É cativante por ser divertido e satírico, e dizer algumas coisas que todos pensam mas só alguns falam. O roteiro foi escrito a partir de uma notícia de jornal, onde o roteirista leu que Arnold Schwarzenegger disse para um grupo de estudantes o quanto ele odiava perdedores. Sendo assim, é coerente enxergar Little Miss Sunshine como uma obra sobre como os losers estão por todos os lados, e que você provavelmente é um deles. E que isso não é necessariamente errado e repreensível, pois um loser pode ser nada mais que alguém que age da maneira que bem entende e mostra um grande dedo do meio para o quê a sociedade impõe como belo, como por exemplo, um concurso de beleza mirim.




sábado, 14 de abril de 2012

Shame

Filme: Shame, 2011
Direção: Steve McQueen
Elenco: Michael Fassbender, Carey Mulligan





O diretor italiano Bernardo Bertolucci é conceituado por suas verdadeiras odes sexuais. Filmes como Last Tango in Paris e o mais recente The Dreamers têm o sexo como chave que tranca o enredo, muitas vezes dando a impressão de que apostou a obra toda nessas cenas, se escondeu nelas e não aproveitou outras coisas interessantes e proveitosas do filme. Reconheço a qualidade da filmografia, mas essa, pelo menos, é a minha ideia sobre o diretor. E é quando o quase-novato diretor e roteirista Steve McQueen apresenta um filme sem grandes profundidades que Bertolucci aplica, mas com uma aposta tão grande no sexo e na sexualidade que torna inevitável uma comparação entre os dois cineastas em pequenas escalas. E o sexo em Shame está muito presente, mas não de fora agravante. O que é, pelo menos na minha apreciação cinematográfica, um ponto muito positivo.

Michael Fassbender (de X-Men: First Class) interpreta o executivo Brandon, viciado em sexo, que se masturba compulsivamente, vive rodeado de pornografia e está diariamente na presença de prostitutas e buscando novas parceiras. Quando sua irmã, a perturbada e infeliz Sissy (Carey Mulligan, de An Education), reaparece pedindo abrigo e companhia e tentando reconciliar a relação com o irmão, Brandon passa a notar o quanto está definhando dentro do próprio vício e despercebendo a infelicidade e ruína que sua vida pessoal, social e profissional está se tornando.

Shame é um filme pesado e carregado. Não é bonito, não é divertido. A intensidade que o foco no protagonista implica é o que conduz o filme, e o faz muito bem. Como é um filme que se trata de um personagem – não de um lugar, não de uma história – o processo de criação das situações em que ele se envolve é admirável e intercorrelacionado com o próprio universo da obra. Um filme fiel a ele mesmo e que não sai do próprio contorno. Uma hora isso pode ficar tedioso e até previsível, mas não de maneira negativa. Permite uma absorção maior do que aquela vida desgraçada tem a agregar, e o quanto se esconder atrás de relações sem significado e conexão emocional podem te levar ao desmoronamento.

Considero Carey Mulligan e Jennifer Lawrence as duas melhores jovens atrizes que apareceram nos últimos anos. A grande diferença entre elas é que Lawrence já encaminhou seu gigantesco talento ao cinema de blockbuster e grandes produções, enquanto Mulligan, que apareceu pela primeira vez em um papel protagonista no simples, porém fantástico An Education, continuou investindo principalmente no cinema independente e já protagonizou filmes de sucesso como Never Let Me Go e Drive. E em Shame, a jovem atriz encarna uma personagem intensa e sofrida, e ainda assim descontraída, e como já esperado, de maneira excepcional. Nos deixa sempre aguardando ansiosamente pelo próximo filme.

Não vá esperando que Shame seja um filme para seu entretenimento. Não é uma coisa leviana para passar o tempo. É um filme intenso para um público intenso, e com isso determinado, é um bom filme.




quarta-feira, 11 de abril de 2012

O Baú: Before Sunrise / Before Sunset

Filmes: Antes do Amanhecer (Before Sunrise) / Antes do Por-do-Sol (Before Sunset), 1995/2004
Direção: Richard Linklater
Elenco: Ethan Hawke, Julie Delpy





Gosto de analisar Before Sunrise e Before Sunset como uma obra conjunta. Mesmo que haja um intervalo de nove anos entre os dois filmes, assisti pela primeira vez com o segundo volume já lançado, e a impressão de que um complementa o outro ficou para sempre, assim como o meu amor pelos filmes, seus roteiros espetaculares e seus personagens relacionáveis.

A história é simples. Em Sunrise, Jesse e Celine (Ethan Hawke e Julie Delpy) se conhecem em um trem cruzando a Europa; ele americano, ela francesa. Começam a conversar e se dão muito bem logo de cara, decidindo descer juntos em Viena para se conhecerem melhor. O que deveria ser apenas algumas horas de conversa fiada acaba se tornando uma paixão intensa, e à medida que a noite vai caindo e a hora de cada um ir para o seu lado vai chegando, os dois jovens que ainda não sabem como lidar direito com a vida adulta passam a dividir seus pensamentos mais profundos e complicados, discutindo questões da vida, do amor, do universo e de si mesmos. Em Sunset, sem dar muitos spoilers, pegamos a trajetória de Jesse e Celine nove anos depois do término do primeiro filme, onde muita coisa mudou, e o dia passado juntos, agora em Paris, é feito de conversas divididas em tons mais maduros; eles são pessoas novas agora.

Sunrise e Sunset são daqueles filmes obrigatórios para quem é adorador do cinema. O diretor e roteirista Richard Linklater, sabendo que os dois protagonistas formavam uma grande porcentagem da razão dos filmes serem impecáveis e mundialmente renomados, incluiu Hawke e Delpy em decisões técnicas, permitindo que os dois atores construíssem seus personagens da maneira que quisessem, inclusive co-assinando o roteiro de Sunset. Os diálogos fazem qualquer um repensar diversos aspectos das próprias vidas; temas como crenças religiosas, acaso e destino, opiniões artísticas e políticas, relacionamentos passados e problemas familiares são discutidos entre os dois.

O crescimento e maturidade do ser humano é talvez o aspecto mais forte dos filmes: enquanto em Sunrise eles se questionavam e não sabiam direito o que pensar sobre as interrogações da vida, em Sunset, anos depois e com caminhos mais firmes e estáveis, eles têm certeza do que são e do que querem, e não mais perguntam, e sim afirmam. Nove anos significaram muito para os personagens, para os atores e para a história que começamos a acompanhar em 1995, prosseguimos em 2004 e que talvez encerremos em 2013 – Linklater, Hawke e Delpy já estão discutindo um possível terceiro volume, mantendo a tradição do intervalo de nove anos.

O cenário, chave do enredo, também muda não só geograficamente, mas também em conceito. Duas pessoas diferentes, jovens adultos com perspectivas, numa noite em Viena e se deparando com artistas de rua, bares noturnos e uma cidade dormindo. Depois, duas pessoas com suas opiniões e decisões tomadas, distinções colocadas à mesa, numa tarde em Paris, somente eles e mais ninguém para interferir no que é que esteja se formando – ou se reforçando. Enquanto caminham pelas cidades, o diretor faz uso de longos e bem guiados planos-sequência, característica marcante dos filmes. Enquanto eles conhecem e sentem Viena e Paris, o espectador os conhece e os sente também.

No fim das contas, nos deparamos com a difícil decisão de Jesse e Celine. A incógnita de Sunrise é desfeita com a chegada de Sunset, que por sua vez também é construído em cima de um ponto de interrogação. Afinal, estamos acompanhando três horas (cerca de 1h30 por filme) de duas vidas em tempo real, e para informações de background podemos apenas contar com o que os diálogos nos oferecem. Mas, tanto no primeiro quanto no segundo filme, os dois são obrigados a enfrentar a pior das decisões: largar ou não sua vida inteira e tudo o que você construiu para si para poder ficar com alguém... ainda mais com alguém que você apenas sente que conhece bem?

E se a delícia que é o relacionamento de duas pessoas cativantes e igualmente interessantes, as cenas icônicas, as atuações que vêm da alma, a direção se ligando ao roteiro a nível molecular e a expectativa que o romance nos proporciona não são motivos o suficiente para querer assistir a Before Sunrise e Before Sunset, a cena musical do segundo filme talvez fale por si só e faça a jornada valer a pena até para aqueles que não se convenceram. As histórias eternamente não concluídas de Jesse e Celine são ramificações inesquecíveis do cinema contemporâneo. Em suma, importantes para a compreensão do cinema de qualidade e de como se tornar um ícone cinematográfico dentro da própria simplicidade.




quarta-feira, 4 de abril de 2012

O Baú: Mary and Max

Filme: Mary and Max, 2009
Direção: Adam Elliot
Elenco de dublagem: Phillip Seymour Hoffman, Toni Collette, Barry Humphries, Eric Bana





O cinema de animação se deparou nos últimos anos com um aumento gradativo em qualidade. Os trabalhos, principalmente os do estúdio da Pixar, são realizados com uma semelhança inigualável com a realidade, poucas vezes tirando licenças poéticas de imagem para manipular um design diferenciado, que retrate uma visão distorcida do conceito já estabelecido de imagem. Portanto, é aceitável pensar que a animação que imite a realidade em visual fica por conta dos computadores, enquanto a animação ousada, que não tem receio em mexer com o design e corromper o “belo” e o “normal”, fica nas mãos da massa de modelar: a técnica do stop-motion. E enquanto animações famosas com essa técnica, como várias realizadas pelo diretor Tim Burton, ainda assim contornam os seus bonecos com alguma semelhança, Mary and Max não tem medo de arriscar, e cria um universo quase monocromático, com bonecos propositalmente “caseiros”, sem preocupação até em apagar as digitais dos escultores da massa. Pode não ser muito apreciado, mas é justamente o grosseiro da direção justaposto ao carisma e sensibilidade do enredo que fazem do filme um dos mais bonitos.

A trama é levemente baseada em uma história real – e eu não sei até onde foi verdade ou ficção, pois não fica claro no filme. Na Austrália, anos 70, a jovem Mary Daisy Dinkle (dublada aos 8 anos por Bethany Whitmore e na fase adulta por Toni Collette, da série United States of Tara), é uma garotinha solitária e com pais negligentes, que se acha feia e não se sente amada. No desespero por uma companhia, escolhe aleatoriamente na lista telefônica um endereço em Manhattan, e escreve implorando por uma amizade. Quem recebe a carta é Max Jerry Horowitz (voz de Phillip Seymour Hoffman, de Capote), um judeu na terceira idade que sofre de paranoia, ataques de ansiedade, que come compulsivamente e que também é um solitário. A amizade cresce, e Mary e Max encontram um no outro o amigo que nunca tiveram, e acabam se descobrindo no novo companheiro de maneiras que jamais imaginaram. Tudo através de cartas, cada um de um lado do mundo.

A utilização da cor é essencial para contar a história. São apenas duas que predominam e variam em tons: o mundo de Max é cinza, o de Mary é ocre. Quando Mary manda um pacote para Max, por exemplo, o embrulho é ocre porque veio de lá, e faz um contraste com o universo cinza dele. Esses elementos cromáticos alimentam ainda mais a peculiaridade de como a amizade dos dois é transmitida ao público; Mary é uma criança, e Max é um adulto sem vivência. Então ambos não entendem o mundo, uma por ingenuidade e inocência, o outro por alienação e problemas mentais. Com isso, ambos constantemente levantam questões e assuntos com indagações absurdas, que compõem o maior lado cômico do filme, revelando um roteiro escrito com muito humor e ainda assim, reflexão.

Os temas retratados são fortes e recorrentes, e apesar do humor e da ironia, aparecem mesclados com uma tristeza profunda em que os dois encaram os universos diferentes em que vivem, e a vida aparece pintada com obscuridade. Mary sofre bullying na escola, não é bem tratada pelos pais, e apesar de vivaz, é uma criança profundamente triste. Já Max [SPOILER: que é revelado com Síndrome de Asperger e autismo] é depressivo, ansioso, com ataques súbitos de raiva e que não consegue compreender o mundo e as pessoas, por isso se isola em seu próprio universo e procura conforto em comida excessiva.

A escolha do design indica o quanto o feio pode sim ser bonito. Os personagens e os cenários são quase maltratados, construídos sem muita pretensão (física, porque conceitual tem muita), e pessoas que não entenderem a linguagem do filme podem considerar mal feito. Mas ao mesmo tempo, conta uma história doce e sensível, com uma trilha sonora maravilhosa composta por Dale Cornelius, e sendo uma animação que se transforma em um cinema de perfeição e liberdade artística. E que, com certeza, diz muito sobre a vida e a sociedade, a escolha do isolamento e o não-entendimento e até desistência daquilo que te cerca.

Apesar da paleta simplória de cores, Mary and Max colore a vida de quem consegue enxergar além do visual terreno e apreciar esse magnífico conto sobre o poder da amizade e o conforto que o ser humano às vezes só encontra em outro alguém para chamar de amigo.