Direção: Woody Allen
Elenco: Scarlett Johansson, Javier Bardem, Penélope Cruz, Rebecca Hall
O
ser humano é uma variável. Passa a vida toda se modificando, e na maioria das
vezes, intencionalmente. Todos buscam um significado para suas vidas, algo que
os façam se sentir pessoas melhores. E não há melhor maneira de se expressar do
que a arte. Mas e quando até a arte falha? Tudo que você faz lhe parece uma
sucessão de fracassos, nada te agradou, tudo ficou desgastado? Em outras
palavras, e se tudo ao seu redor está te deixando cada vez mais insatisfeito? O
não-conformismo é o elemento-chave de Vicky
Cristina Barcelona, uma história simples com repercussões complicadas, e um
dos filmes mais identificáveis já feitos. Afinal, é recorrente o homem passar
pelas descrições acima. A INSATISFAÇÃO CRÔNICA.
Duas
amigas decidem passar as férias em Barcelona. Enquanto descansam de suas vidas
agitadas, tentam procurar por algum elemento que falta em suas vidas; Cristina
(Scarlett Johansson, de Lost in
Translation) e Vicky (Rebecca Hall, de The
Awakening), encontraram a amizade no meio de um oceano de antíteses. Cristina
não sabe o que quer da vida, só o que não quer: passar a vida sem encontrar o
que quer. Uma artista inconstante que já investiu em todos os meios de
expressão e não se encontrou em nenhum deles, com mente aberta e disposição a
mergulhar em tudo que for novo e excitante. Já Vicky é uma mulher segura (pelo
menos, acha que é), com uma vida inteira planejada, sem o risco de correr
riscos e de encontrar caminhos novos por aí. Até ambas se depararem com Juan
Antonio (Javier Bardem, de No Country for
Old Men), um pintor boêmio e apreciador da vida que dá novas perspectivas
às duas amigas. Completando o ciclo, acabam se envolvendo na montanha-russa que
é María Elena (Penélope Cruz, de Volver,
vencedora do Oscar pelo papel em discussão), ex mulher de Juan Antonio,
depressiva, louca e instável. Em meio à arte impressionante de Barcelona, as
tentativas e erros dos personagens vão se cruzando, abrindo novas portas e
fechando várias outras.
A
arte pela arte, o artista pelo artista. Realizar suas obras sem qualquer outro
fim além daquele que é o de se expressar, comunicar, dividir sua alma. A
necessidade da afirmação existe em todos os meios possíveis, se não para
mostrar para os outros tudo o que se passa em seu coração, mas sim para você
mesmo entender melhor quem é. É o que esse filme apresenta, e é o que o diretor
Woody Allen faz. Quem nunca ouviu qualquer diálogo de algum filme dele e sentiu
lá no fundo que aquilo era a mais pura opinião do diretor sobre determinado
assunto? Analisando o roteiro e seus diálogos, percebe-se que a insegurança
sobre uma investida criativa existe em todo artista, e reflete nas decisões que
tomam em todas as áreas de suas vidas. Mexer com a arte exige uma sensibilidade
que acaba aflorando em todo o resto. E não se conformar com nada é superficialmente
desapontador, mas profundamente uma fonte de renovação constante; permite
visitas a si mesmo, mudanças de opinião, olhares recém-nascidos, inspirações
inimagináveis...
O
filme também explora o que é o conflito que certos princípios geram quando
colocados a prova, sejam eles de natureza amorosa, afetiva, sexual, etc. Uma
pessoa se considera liberal, e criativa, e especial... mas até que ponto? E
quando ela encontra pessoas com todas essas características, a níveis muito
maiores e mais amplos? Ela realmente era assim, ou queria se convencer de que
era? Como querer jorrar sua personalidade em cima de algum movimento artístico,
se você não sabe se ao menos tem uma personalidade?
É
aí que mora a identificação com o filme, o que me fez assistir a Vicky Cristina Barcelona e perceber que
parecia que havia sido feito para mim. A personagem Cristina é a personificação
de nossos medos e inseguranças, de nossas expectativas e perspectivas, do olhar
e da busca do artista como profissional e pessoa. Há um trecho onde ela
expressa seus pensamentos, quando questionada se tocava música: “Eu tenho que
aceitar o fato de que não sou talentosa. Eu sei apreciar arte e amo música,
mas... É triste, na verdade, porque eu sinto que tenho muito a expressar, mas
não tenho o talento”. Foi como um tiro ouvir, com tanta clareza e objetividade,
tudo o que você sempre pensou de si mesmo e nunca conseguiu definir exatamente.
A insegurança, e a tentativa de quebrá-la com alguma coisa que possa ser mais
forte, e a noção de que, no fim de tudo, vai depender de você mesmo saber
escolher qual a melhor maneira de encontrar o que procura. E sempre tendo em
mente que, quando algo falhar, a possibilidade da escolha estará sempre ali,
permitindo que você se engaje em coisas novas.
A
composição da idéia do enredo se posiciona ao lado da demonstração interminável
da arte catalã. Obras de grandes nomes como Gaudí e Miró fazem uma alusão de
como estão sendo apreciadas por personagens que são pequenos em relação àquilo,
mas com possibilidades infinitas de chegar perto e fazer parte daquele mundo,
se é que aquele mundo foi feito para eles.
A
direção é simples e linear; a beleza está no roteiro, como em todos os filmes
de Allen, que se utiliza das palavras com maestria. O elenco inteiro atua fazendo
jus a tudo o que o filme representa, mas existe uma “menção honrosa” a ser
feita: Penélope Cruz, que entrega, na minha mais sincera opinião, a melhor
atuação feminina que eu já vi em um filme. Sem contar que sua personagem,
variante dimensional, é fascinante em todos os trejeitos e falas e expressões e
atitudes possíveis. Oscila entre o humor e o drama, a melancolia e a raiva. Uma
pintora de talento beirando a genialidade, que dominaria o universo artístico
europeu se não fosse pelos surtos de loucura, geralmente acionados por Juan
Antonio, e que encontram uma amenização e equilíbrio em Cristina.
Com
a mensagem final de que as pessoas só mudam se realmente querem mudar – ou se
pelo menos estão no momento apropriado de isso acontecer – Vicky Cristina Barcelona é a obra-prima contemporânea sobre a
revolução sexual, a descoberta artística, e o despertar pessoal. Um filme feito
também para o público poder se encontrar nele, se necessário. Eu, pelo menos,
sei que me encontrei.
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