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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

O Baú: Vicky Cristina Barcelona

Filme: Vicky Cristina Barcelona, 2008
Direção: Woody Allen
Elenco: Scarlett Johansson, Javier Bardem, Penélope Cruz, Rebecca Hall




O ser humano é uma variável. Passa a vida toda se modificando, e na maioria das vezes, intencionalmente. Todos buscam um significado para suas vidas, algo que os façam se sentir pessoas melhores. E não há melhor maneira de se expressar do que a arte. Mas e quando até a arte falha? Tudo que você faz lhe parece uma sucessão de fracassos, nada te agradou, tudo ficou desgastado? Em outras palavras, e se tudo ao seu redor está te deixando cada vez mais insatisfeito? O não-conformismo é o elemento-chave de Vicky Cristina Barcelona, uma história simples com repercussões complicadas, e um dos filmes mais identificáveis já feitos. Afinal, é recorrente o homem passar pelas descrições acima. A INSATISFAÇÃO CRÔNICA.

Duas amigas decidem passar as férias em Barcelona. Enquanto descansam de suas vidas agitadas, tentam procurar por algum elemento que falta em suas vidas; Cristina (Scarlett Johansson, de Lost in Translation) e Vicky (Rebecca Hall, de The Awakening), encontraram a amizade no meio de um oceano de antíteses. Cristina não sabe o que quer da vida, só o que não quer: passar a vida sem encontrar o que quer. Uma artista inconstante que já investiu em todos os meios de expressão e não se encontrou em nenhum deles, com mente aberta e disposição a mergulhar em tudo que for novo e excitante. Já Vicky é uma mulher segura (pelo menos, acha que é), com uma vida inteira planejada, sem o risco de correr riscos e de encontrar caminhos novos por aí. Até ambas se depararem com Juan Antonio (Javier Bardem, de No Country for Old Men), um pintor boêmio e apreciador da vida que dá novas perspectivas às duas amigas. Completando o ciclo, acabam se envolvendo na montanha-russa que é María Elena (Penélope Cruz, de Volver, vencedora do Oscar pelo papel em discussão), ex mulher de Juan Antonio, depressiva, louca e instável. Em meio à arte impressionante de Barcelona, as tentativas e erros dos personagens vão se cruzando, abrindo novas portas e fechando várias outras.

A arte pela arte, o artista pelo artista. Realizar suas obras sem qualquer outro fim além daquele que é o de se expressar, comunicar, dividir sua alma. A necessidade da afirmação existe em todos os meios possíveis, se não para mostrar para os outros tudo o que se passa em seu coração, mas sim para você mesmo entender melhor quem é. É o que esse filme apresenta, e é o que o diretor Woody Allen faz. Quem nunca ouviu qualquer diálogo de algum filme dele e sentiu lá no fundo que aquilo era a mais pura opinião do diretor sobre determinado assunto? Analisando o roteiro e seus diálogos, percebe-se que a insegurança sobre uma investida criativa existe em todo artista, e reflete nas decisões que tomam em todas as áreas de suas vidas. Mexer com a arte exige uma sensibilidade que acaba aflorando em todo o resto. E não se conformar com nada é superficialmente desapontador, mas profundamente uma fonte de renovação constante; permite visitas a si mesmo, mudanças de opinião, olhares recém-nascidos, inspirações inimagináveis...

O filme também explora o que é o conflito que certos princípios geram quando colocados a prova, sejam eles de natureza amorosa, afetiva, sexual, etc. Uma pessoa se considera liberal, e criativa, e especial... mas até que ponto? E quando ela encontra pessoas com todas essas características, a níveis muito maiores e mais amplos? Ela realmente era assim, ou queria se convencer de que era? Como querer jorrar sua personalidade em cima de algum movimento artístico, se você não sabe se ao menos tem uma personalidade?

É aí que mora a identificação com o filme, o que me fez assistir a Vicky Cristina Barcelona e perceber que parecia que havia sido feito para mim. A personagem Cristina é a personificação de nossos medos e inseguranças, de nossas expectativas e perspectivas, do olhar e da busca do artista como profissional e pessoa. Há um trecho onde ela expressa seus pensamentos, quando questionada se tocava música: “Eu tenho que aceitar o fato de que não sou talentosa. Eu sei apreciar arte e amo música, mas... É triste, na verdade, porque eu sinto que tenho muito a expressar, mas não tenho o talento”. Foi como um tiro ouvir, com tanta clareza e objetividade, tudo o que você sempre pensou de si mesmo e nunca conseguiu definir exatamente. A insegurança, e a tentativa de quebrá-la com alguma coisa que possa ser mais forte, e a noção de que, no fim de tudo, vai depender de você mesmo saber escolher qual a melhor maneira de encontrar o que procura. E sempre tendo em mente que, quando algo falhar, a possibilidade da escolha estará sempre ali, permitindo que você se engaje em coisas novas.

A composição da idéia do enredo se posiciona ao lado da demonstração interminável da arte catalã. Obras de grandes nomes como Gaudí e Miró fazem uma alusão de como estão sendo apreciadas por personagens que são pequenos em relação àquilo, mas com possibilidades infinitas de chegar perto e fazer parte daquele mundo, se é que aquele mundo foi feito para eles.

A direção é simples e linear; a beleza está no roteiro, como em todos os filmes de Allen, que se utiliza das palavras com maestria. O elenco inteiro atua fazendo jus a tudo o que o filme representa, mas existe uma “menção honrosa” a ser feita: Penélope Cruz, que entrega, na minha mais sincera opinião, a melhor atuação feminina que eu já vi em um filme. Sem contar que sua personagem, variante dimensional, é fascinante em todos os trejeitos e falas e expressões e atitudes possíveis. Oscila entre o humor e o drama, a melancolia e a raiva. Uma pintora de talento beirando a genialidade, que dominaria o universo artístico europeu se não fosse pelos surtos de loucura, geralmente acionados por Juan Antonio, e que encontram uma amenização e equilíbrio em Cristina.

Com a mensagem final de que as pessoas só mudam se realmente querem mudar – ou se pelo menos estão no momento apropriado de isso acontecer – Vicky Cristina Barcelona é a obra-prima contemporânea sobre a revolução sexual, a descoberta artística, e o despertar pessoal. Um filme feito também para o público poder se encontrar nele, se necessário. Eu, pelo menos, sei que me encontrei.




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