Direção: Stephen Daldry
Elenco: Nicole Kidman, Julianne Moore, Meryl Streep, Ed Harris
Há
uma breve frase em The Hours que
descreve o princípio do filme: “A vida
inteira de uma mulher em um único dia. Apenas um dia. E nesse dia, sua vida
inteira”.
Para
entender melhor o que essa poesia em forma de cinema quer dizer, é preciso
primeiro entender o tempo. Relativamente composto, cada um possui uma percepção
diferente sobre seus dias, meses, anos. Mas primeiro, analisar melhor as
menores quantidades, onde tão pouco e muito pode acontecer: as horas.
Quantitativamente, nada mais que uma ideia preestabelecida que se arrasta até
compreender outra noção de tempo. E ao acompanhar uma vida durante horas, se
comparado aos meses ou até mesmo aos anos, recebemos pouca quantidade de
informação que, se vista com olhos sensíveis, reflete cada aspecto que já foi e
até mesmo alguns que ainda virão sobre aquela realidade. E The Hours é uma história sobre três dias, vividos por três mulheres
em três tempos diferentes, e cruzando um paralelo entre as realidades a
entender que, na verdade, estamos acompanhando uma única história.
Em
1923, assistimos à história real da autora inglesa Virginia Woolf, papel que
deu o Oscar de Melhor Atriz à Nicole Kidman. Morando com seu marido no campo,
Woolf luta contra a depressão e a psicose, em um dia em que vasculha os cantos
mais escuros de sua mente para dar início a um de seus livros mais famosos, Mrs. Dalloway. Em 1951, Julianne Moore interpreta
Laura Brown, uma mãe e esposa infeliz, alienada sobre seu papel na família, num
dia em que tenta agradar o marido ao fazer um bolo, que busca refúgio e
conforto lendo Mrs. Dalloway. E em
2001, Meryl Streep é Clarissa Vaughn, uma mulher conflitante em um dia em que prepara
uma festa homenageando seu melhor amigo e ex-amante (Ed Harris), mas sente que
algo está muito errado nisso tudo, exatamente como a personagem em Mrs. Dalloway.
Baseado
no livro homônimo de Michael Cunningham, o roteiro transporta uma história à outra,
traçando uma única linha que as liga com o livro em questão, mas em níveis
distintos de existência. Basicamente, uma mulher escreve um livro, uma mulher
lê o livro, e uma mulher é o livro. De qualquer maneira, suas vidas estão
afetadas pelo mesmo problema: não saber qual o seu papel naquele dia, naquelas
horas, que se arrastarão até se tornarem semanas, meses, anos, novos paralelos,
novas vidas, e continuando assim sem saber o que está acontecendo de tão errado
a ponto de causar uma depressão profunda, uma tristeza anestesiante e uma
intuição aflitiva. A noção de que a melancolia é poética está presente em todos
os aspectos do filme, parafraseando contos e poemas em momentos de dor e
reflexão, fazendo do roteiro uma arte dentro da arte.
A
profundidade de The Hours é complexa.
Expor personagens de tal maneira a ponto de fazer um dia refletir um todo é
mentalmente desgastante, quando se pensa nos tópicos conflitantes depois. As
emoções são primitivas, e você percebe o quanto certos sentimentos negativos podem
aparecer do nada, sem motivo aparente. Os elementos que os três arcos têm em
comum transpõem não só a correlação entre eles, mas também a analogia com Mrs. Dalloway: problemas mentais e
neuroses existenciais, indícios de feminismo e homossexualismo, busca por
pretextos e motivações, e principalmente não querer viver a própria vida, então
buscar viver a de outra pessoa e se realizar através dela, fundamentalmente não
confrontando a própria tormenta.
Eu
coloco The Hours como um dos melhores
filmes dos anos 2000, e um dos meus preferidos. Engendrar a estrutura de uma
narrativa e contar a história se utilizando disso é um trabalho
circunstanciado. Com um enredo reflexivo, escrito poeticamente, atuações
maravilhosas, trilha sonora clássica sempre presente e cenas tão intensas que
agonizam, temos em mãos um filme merecedor de consagração. Um filme lindo.
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