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quarta-feira, 14 de março de 2012

O Baú: The Hours

Filme: As Horas (The Hours), 2002
Direção: Stephen Daldry
Elenco: Nicole Kidman, Julianne Moore, Meryl Streep, Ed Harris





Há uma breve frase em The Hours que descreve o princípio do filme: “A vida inteira de uma mulher em um único dia. Apenas um dia. E nesse dia, sua vida inteira”.

Para entender melhor o que essa poesia em forma de cinema quer dizer, é preciso primeiro entender o tempo. Relativamente composto, cada um possui uma percepção diferente sobre seus dias, meses, anos. Mas primeiro, analisar melhor as menores quantidades, onde tão pouco e muito pode acontecer: as horas. Quantitativamente, nada mais que uma ideia preestabelecida que se arrasta até compreender outra noção de tempo. E ao acompanhar uma vida durante horas, se comparado aos meses ou até mesmo aos anos, recebemos pouca quantidade de informação que, se vista com olhos sensíveis, reflete cada aspecto que já foi e até mesmo alguns que ainda virão sobre aquela realidade. E The Hours é uma história sobre três dias, vividos por três mulheres em três tempos diferentes, e cruzando um paralelo entre as realidades a entender que, na verdade, estamos acompanhando uma única história.

Em 1923, assistimos à história real da autora inglesa Virginia Woolf, papel que deu o Oscar de Melhor Atriz à Nicole Kidman. Morando com seu marido no campo, Woolf luta contra a depressão e a psicose, em um dia em que vasculha os cantos mais escuros de sua mente para dar início a um de seus livros mais famosos, Mrs. Dalloway. Em 1951, Julianne Moore interpreta Laura Brown, uma mãe e esposa infeliz, alienada sobre seu papel na família, num dia em que tenta agradar o marido ao fazer um bolo, que busca refúgio e conforto lendo Mrs. Dalloway. E em 2001, Meryl Streep é Clarissa Vaughn, uma mulher conflitante em um dia em que prepara uma festa homenageando seu melhor amigo e ex-amante (Ed Harris), mas sente que algo está muito errado nisso tudo, exatamente como a personagem em Mrs. Dalloway.

Baseado no livro homônimo de Michael Cunningham, o roteiro transporta uma história à outra, traçando uma única linha que as liga com o livro em questão, mas em níveis distintos de existência. Basicamente, uma mulher escreve um livro, uma mulher lê o livro, e uma mulher é o livro. De qualquer maneira, suas vidas estão afetadas pelo mesmo problema: não saber qual o seu papel naquele dia, naquelas horas, que se arrastarão até se tornarem semanas, meses, anos, novos paralelos, novas vidas, e continuando assim sem saber o que está acontecendo de tão errado a ponto de causar uma depressão profunda, uma tristeza anestesiante e uma intuição aflitiva. A noção de que a melancolia é poética está presente em todos os aspectos do filme, parafraseando contos e poemas em momentos de dor e reflexão, fazendo do roteiro uma arte dentro da arte.

A profundidade de The Hours é complexa. Expor personagens de tal maneira a ponto de fazer um dia refletir um todo é mentalmente desgastante, quando se pensa nos tópicos conflitantes depois. As emoções são primitivas, e você percebe o quanto certos sentimentos negativos podem aparecer do nada, sem motivo aparente. Os elementos que os três arcos têm em comum transpõem não só a correlação entre eles, mas também a analogia com Mrs. Dalloway: problemas mentais e neuroses existenciais, indícios de feminismo e homossexualismo, busca por pretextos e motivações, e principalmente não querer viver a própria vida, então buscar viver a de outra pessoa e se realizar através dela, fundamentalmente não confrontando a própria tormenta.

Eu coloco The Hours como um dos melhores filmes dos anos 2000, e um dos meus preferidos. Engendrar a estrutura de uma narrativa e contar a história se utilizando disso é um trabalho circunstanciado. Com um enredo reflexivo, escrito poeticamente, atuações maravilhosas, trilha sonora clássica sempre presente e cenas tão intensas que agonizam, temos em mãos um filme merecedor de consagração. Um filme lindo.




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