Direção: Adam Elliot
Elenco de dublagem: Phillip Seymour Hoffman, Toni Collette, Barry Humphries, Eric Bana
O
cinema de animação se deparou nos últimos anos com um aumento gradativo em
qualidade. Os trabalhos, principalmente os do estúdio da Pixar, são realizados
com uma semelhança inigualável com a realidade, poucas vezes tirando licenças
poéticas de imagem para manipular um design diferenciado, que retrate uma visão
distorcida do conceito já estabelecido de imagem. Portanto, é aceitável pensar
que a animação que imite a realidade em visual fica por conta dos computadores,
enquanto a animação ousada, que não tem receio em mexer com o design e
corromper o “belo” e o “normal”, fica nas mãos da massa de modelar: a técnica
do stop-motion. E enquanto animações famosas com essa técnica, como várias
realizadas pelo diretor Tim Burton, ainda assim contornam os seus bonecos com
alguma semelhança, Mary and Max não
tem medo de arriscar, e cria um universo quase monocromático, com bonecos
propositalmente “caseiros”, sem preocupação até em apagar as digitais dos escultores
da massa. Pode não ser muito apreciado, mas é justamente o grosseiro da direção
justaposto ao carisma e sensibilidade do enredo que fazem do filme um dos mais
bonitos.
A
trama é levemente baseada em uma história real – e eu não sei até onde foi
verdade ou ficção, pois não fica claro no filme. Na Austrália, anos 70, a jovem
Mary Daisy Dinkle (dublada aos 8 anos por Bethany Whitmore e na fase adulta por Toni
Collette, da série United States of Tara),
é uma garotinha solitária e com pais negligentes, que se acha feia e não se
sente amada. No desespero por uma companhia, escolhe aleatoriamente na lista
telefônica um endereço em Manhattan, e escreve implorando por uma amizade. Quem
recebe a carta é Max Jerry Horowitz (voz de Phillip Seymour Hoffman, de Capote), um judeu na terceira idade que
sofre de paranoia, ataques de ansiedade, que come compulsivamente e que também
é um solitário. A amizade cresce, e Mary e Max encontram um no outro o amigo
que nunca tiveram, e acabam se descobrindo no novo companheiro de maneiras que
jamais imaginaram. Tudo através de cartas, cada um de um lado do mundo.
A
utilização da cor é essencial para contar a história. São apenas duas que
predominam e variam em tons: o mundo de Max é cinza, o de Mary é ocre. Quando
Mary manda um pacote para Max, por exemplo, o embrulho é ocre porque veio de
lá, e faz um contraste com o universo cinza dele. Esses elementos cromáticos
alimentam ainda mais a peculiaridade de como a amizade dos dois é transmitida
ao público; Mary é uma criança, e Max é um adulto sem vivência. Então ambos não
entendem o mundo, uma por ingenuidade e inocência, o outro por alienação e
problemas mentais. Com isso, ambos constantemente levantam questões e assuntos
com indagações absurdas, que compõem o maior lado cômico do filme, revelando um
roteiro escrito com muito humor e ainda assim, reflexão.
Os
temas retratados são fortes e recorrentes, e apesar do humor e da ironia,
aparecem mesclados com uma tristeza profunda em que os dois encaram os
universos diferentes em que vivem, e a vida aparece pintada com obscuridade.
Mary sofre bullying na escola, não é bem tratada pelos pais, e apesar de vivaz,
é uma criança profundamente triste. Já Max [SPOILER: que é revelado com
Síndrome de Asperger e autismo] é depressivo, ansioso, com ataques súbitos de
raiva e que não consegue compreender o mundo e as pessoas, por isso se isola em
seu próprio universo e procura conforto em comida excessiva.
A
escolha do design indica o quanto o feio pode sim ser bonito. Os personagens e
os cenários são quase maltratados, construídos sem muita pretensão (física,
porque conceitual tem muita), e pessoas que não entenderem a linguagem do filme
podem considerar mal feito. Mas ao mesmo tempo, conta uma história doce e
sensível, com uma trilha sonora maravilhosa composta por Dale Cornelius, e
sendo uma animação que se transforma em um cinema de perfeição e liberdade
artística. E que, com certeza, diz muito sobre a vida e a sociedade, a escolha
do isolamento e o não-entendimento e até desistência daquilo que te cerca.
Apesar
da paleta simplória de cores, Mary and
Max colore a vida de quem consegue enxergar além do visual terreno e
apreciar esse magnífico conto sobre o poder da amizade e o conforto que o ser
humano às vezes só encontra em outro alguém para chamar de amigo.
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